quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Dossiê: uma análise completa e detalhada do Atlético Junior, adversário da semifinal da Sul-Americana

Após 16 anos o Flamengo está de volta a uma semifinal de uma competição sul-americana.

Nesta quinta-feira, o Rubro Negro entra em campo no Maracanã para enfrentar o Atlético Junior. Na semana que vem acontecerá a partida de volta, em Barrinquilla. 

Para conhecer mais sobre esse adversário, o colaborador do blog, Joza Novalis, faz uma análise completa e detalhada.

Confira:


O rival do Flamengo nas semifinais da Copa Sul-Americana é uma equipe nova, cujo desenho atual foi montado no início do segundo semestre, a partir da chegada do técnico Júlio Comesaña. Por certo que a realidade do “Tiburón” desautoriza o comentário anterior. “Como assim, equipe nova, se tá jogando o fino da bola?” Ocorre que grande parte dos jogadores já estava no elenco. Atletas que saíram calibraram o conjunto; os que chegaram também: na mesma.

Pois bem, o Junior do primeiro semestre não possuía suas duas principais estrelas de agora; porém, tinha lá seus bons jogadores. Foi um fiasco só; terminando na 12ª posição da tabela. Todo mundo riu. Fosse o que fosse, o fato é que “aquilo” não era um time de futebol: era um bando de malucos; pouco além disso. Verdade é que as chegadas de Téo Gutiérrez e Yimmi Chará elevaram o patamar do elenco. Mas é só meia-verdade, pois as contratações não atentariam contra o principal problema do Junior: a indisciplina. E a solução, qual era? A chegada do técnico Julio Comesaña.

O técnico uruguaio, naturalizado colombiano, não é somente um disciplinador implacável. É também destemido. Isto ocorre porque ele é um dos únicos comandantes do banco que conhece e se adapta ao “Tiburón” de Barranquilla. Pobre de alguém que ouse falar mal de Comesaña em algum boteco da principal cidade da Costa Colombiana. Sem ele, Téo, “el Pistolero” Gutiérrez, apenas aprofundaria os problemas disciplinares. Com ele, “el Pistolero” tem feito esforços hercúleos para se manter numa boa. Caldo é quente, no caldeirão de Comesaña.


Junior, no contexto do futebol colombiano

Então, o técnico charrua é um dos poucos que conhece e se adapta a “el Tiburón”... Ora, mas o que o Junior tem de tão especial? A marra.

Principal equipe da Costa Colombina, o Junior de Barranquilla tem apenas sete conquistas nacionais. Atlético Nacional tem 16; Millos, 14; América de Cali, 13 e assim por diante. Vai lá e pergunta em Barranquilla quem é o maior? Fácil pensarmos na resposta do torcedor. Problema é que dirigentes responderiam a mesma coisa. E, pasmem, alguns jornalistas também. Mundo à parte? Bem por aí. Ninguém se importa muito com os rivais do pais e tampouco com suas conquistas. Junior pode ficar 20 anos sem acariciar um caneco e basta chegar perto de um deles para a marra voltar vitaminada. “Somos os melhores, temos a melhor equipe, estamos na mais bonita região do país e a nossa seleção só joga por aqui. Quer mais o quê?”

Com o tempo, essa fama de “folgado” foi se associando às suas principais estrelas. “El Pibe” Valderrama é personagem do “Tiburón”. Craque da seleção que tinha em Rincón e Tino Asprilla dois outros nomes daquela seleção que humilhou a Argentina no Monumental de Núñez, em 1993, “el Pibe” jogava como poucos, mas jogaria como Maradona, se corresse um pouco mais. A pança não deixava, e a folga também. Hoje, vive de “descer a lenha” em todo mundo. Jorge, “el Bolañito” Bolaño, ex-jogador que foi à Copa da França com a seleção cafetera, é outro personagem do Junior. Em 2014, discutiu com a esposa, gritaria foi geral e a polícia baixou no local. Dois policiais tentaram prendê-lo e ele partiu “pra porrada”. Um dos policiais ficou cinco dias sem poder trabalhar.

E claro, não poderíamos deixar de falar dele, o “terror de Avellaneda”, Téo Gutiérrez. Fôssemos relatar aqui tudo o que ele já aprontou por aí, o torcedor do Flamengo não terminaria de ler este texto até a hora da partida de ida, pela Sul-Americana. Em resumo, durante férias em seu país, vestiu e se deixou fotografar com a camisa do Boca Juniors. Ele jogava pelo River. Ano passado, pelo Rosário Central, fez um gol na Bombonera, contra o Boca, e comemorou fazendo um gesto em que desenhava a faixa do River na camisa. Confusão total e dois expulsos. Centurión, pelo Boca, saiu quietinho; Téo, pelo Central, saiu tapando o nariz em referência a presença de merda no ambiente e invocando de forma pejorativa o apelido de “bostero” da equipe xeneize.

Pouco? Pois bem, em 2012, após ser expulso em jogo do Racing, foi questionado por Sebastián Saja, nos vestiário. Não gostou, xingou até a quinta geração da família do goleiro e ainda assim não ficou satisfeito. Foi até o armário e pegou um revólver. Ninguém mais sabia onde Saja foi parar. A única coisa que se ouvia era a voz ensandecida de “el Pistolero”: “cadê o marica, cadê o marica, cadê o marica?”

Daí a importância da presença de Julio Comesaña no comando da equipe. Chegou ao clube no fim da temporada anterior e teve tempo de estudar o elenco, mandar muita gente embora e apontar as contratações necessárias para o novo momento do Junior. De cara, falou que o elenco era ingênuo, composto de jogadores “mansos” e com pouca reação diante de adversidades. “Jogador da equipe é atirado ao chão, se levanta e ainda pede desculpas para todos; para que precisamos de jogadores assim?”. Houve um episódio, na partida contra o Deportivo Cali, em que o meio-campista Fabián Sambueza pisou em Alex Pérez, do Junior, sem que nenhum jogador desta equipe manifestasse qualquer reação. Comesaña se revoltou. “Depois do lance, houve um lateral e Sambueza ficou bem de frente para mim. Eu fixei meu olhar sobre ele e tive vontade de lhe falar umas verdades. Mas que isto: tive um desejo profundo de estar só cinco minutos dentro de campo... porém no momento não vivo mais esta realidade e tampouco posso falar para um jogador da minha equipe que manifeste certa reação; ela há de estar na alma do jogador, no seu caráter, sem que ninguém lhe tenha de apontar o que fazer”. Foi com base neste sentimento que o técnico charrua reformulou o elenco, trazendo jogadores com forte personalidade e caráter futebolístico. Mas como joga o rival do Flamengo nas semifinais da Sul-Americana?


Como joga o Junior de Barranquilla

Esquema preferencial de Comesaña é o 4-4-2, que se modifica para 4-2-3-1, 4,2,1,3, 4-3-3 ou até 4-2-2-2 a depender da necessidade da partida ou na partida. Porém, a base é sempre o 4-4-2. Além disso, mesmo com todas as variações nunca se modifica a presença de uma linha de quatro seguida de um doble 5, composto por Cantillo e Pico, um pouco mais à frente. Essa dupla é um dos segredos do sucesso da equipe colombiana. Ambos são marcadores incansáveis, mas, ao mesmo tempo, jogadores que sabem acelerar o jogo com bons passes. Muitos têm comentado sobre a lesão do zagueiro Jonathan Ávila, mas qualquer um que entre não vai modificar a defesa do Tubarão colombiano. Todos os zagueiros têm um nível parecido, exceto Jefferson Gómez, o melhor de todos, mas ainda jovem e pouco experiente. Por estar lesionado, não irá para o jogo: Junior Arias ocupará a vaga de Ávila. Porém, como dissemos, todos são bem parecidos. Problema mesmo para a defensiva do Junior teria sido perder um dos volantes, Cantillo ou Pico.

Comesaña experimentou vários esquemas e formações, atrelando-as aos mais diferentes jogadores. No fim, manteve no grupo somente aqueles que não perdiam rendimento com a modificação de um esquema para outro.  A equipe é muito rápida, com a aceleração do jogo pelos flancos do campo ou por dentro, principalmente com a condução de Chará. Pelo lado direito, o lateral David Murillo apoia muito, sempre aberto, permitindo que Gonzalez ou Chará se transformem em meio-campistas a percorrer o campo em diagonal rumo à área do adversário. Quando isto acontece, o Junior chega à área com até cinco “atacantes”. Gonzalez é um jogador em ascensão, tem faro de gol, está com moral e, bem ao estilo do que gosta Comesaña, é polivalente, podendo aparecer como extremo pelo lado esquerdo ou como segundo atacante. Outro em ascensão, e que joga pelo setor, é o garoto Luiz Díaz, que desbancou o badalado Léiner Escalante.

Pelo lado esquerdo, a situação não é muito diferente, German Gutiérrez também apoia  sempre, permitindo que o extremo do setor se infiltre pelo centro da área. O melhor jogador do Junior para ocupar o setor é Jarlan Barrera, jovem revelação colombiana. Contudo, seus altos e baixos, além da condição física, o têm deixado no banco, na maior parte do tempo. Isto é bom para o Flamengo, pois quando o jogo dinâmico de Barrera  acontece, fica difícil de marca-lo.

Ofensividade e dinamismo do meio-campo para frente dificultam o encaixe defensivo de qualquer adversário do Junior. Trata-se de toque de bola em alta velocidade, na fase ofensiva, principalmente quando a equipe atua fora de Barranquilla. O trabalho com a bola tende a ser mais pausado, quando a equipe atua em seus domínios. Neste caso, o homem que quebra as linhas de marcação é Yimmi Chará, o melhor e mais importante jogador do Junior de Barranquillla.


Yimmi Chará, o segredo do Junior



Chará praticamente começou sua carreira naquele Tolima que eliminou o Corinthians da Libertadores, em 2011. Atua por todos os setores do meio-campo, como segundo atacante ou até de falso nove. “El Depredador” Chará é o jogador com o qual a defesa flamenguista precisará se preocupar. Difícil marca-lo, pois ele sempre está em todos os lugares, preferencialmente alternando posição com um dos extremos ou mesmo retirando Téo Guetiérrez da área e aparecendo no seu interior para arrematar. Sua parceria com “el Pistolero” fez do Tiburón o ataque mais letal do Colombiano e dele, Chará, o artilheiro da competição.

Não bastasse a velocidade de sua movimentação, Chará é o responsável por ditar as trocas de posições do meio-campo para frente. Sua disciplina tática impressiona tanto quanto sua ousadia. Mas, diferentemente de outros jogadores da equipe, dificilmente se envolve em confusões. Se o rival do Flamengo é tido como uma equipe extremamente ofensiva isto se dá pela presença de “el Predador” Chará, embora não somente por ela.


Teo Gutiérrez em grande fase



Possível falar quaisquer coisas sobre Teófilo, mas é inegável que se trata de um excelente atacante. Sua parceria com Chará é o ponto alto do ataque também porque Gutiérrez, dentro de campo, e querendo jogar futebol, é um jogador inteligente. Sua presença abre possibilidades as mais diversas, como a entrada de Roberto Ovelar, centroavante de área, que permite a Teo circular fora dela e se transformar em assistente para gols. Além de Ovelar, e o próprio Chará, González ou Díaz também se beneficiam com o trabalho de “meio-campista” do antigo camisa 9 do Racing.

Por certo que Teo já arrumou problemas. Recentemente, Ovelar foi à direção do Junior mostrar o celular da esposa, a modelo Gladiz Ortega, com mensagens do “Pistolero de Avellaneda”. Não vamos engrossar o coro de “pudera”, no caso, pois este texto se pretende sério, assim como os rumos que a situação tomou na equipe da Costa Caribenha. Todavia, o técnico Comesaña tomou a dianteira e foi logo dizendo: “pouco importa o justo ódio entre vocês, mas eu vou dar porrada no primeiro que boicotar minha equipe dentro de campo!”. Dito e feito, o episódio em nada afetou o trabalho e a parceira dos atacantes, ao menos nos treinos que realizaram juntos.


Dicas para o Fla

Infelizmente nenhum atacante rubro-negro prende tanto os laterais na defesa quanto Berrio. Este trabalho é necessário e vital se o Fla deseja não ser surpreendido no Rio. Nada a ver com a grande qualidade desses laterais, embora pela direita Murillo viva o melhor momento de sua carreira.

Problema é que quando eles apoiam os dois ponteiros se transformam em meia-atacantes com forte chegada à área. Melhor forma de combater a jogada é prender o Junior no seu campo de defesa, com dois extremos bem abertos e atuantes. Sim, atuantes, pois não é jogo para modorra dentro de campo.

Melhor forma de marcar “el Predador” Chará é impedindo que a redonda chegue a seus pés. Muitas vezes ele recua para buscar essa bola junto a Cantillo ou Pico. Como dito acima; são dois volantes de marcação, mas que sabem oferecer o passe limpo. Este passe precisa de corte, quando a redonda for endereçada a Chará. Este é também o principal ladrão de bola da equipe do meio-campo para frente. Daí que a saída de bola vai precisar do comando e lucidez de Cuéllar. Fosse outro tempo e a coisa poderia se complicar.

O sistema defensivo do Junior é bom, mas seus defensores nem tanto. Como imaginamos que o Flamengo tomará as rédeas da partida, é possível que o Junior proteja melhor sua primeira linha, povoando o setor, na fase defensiva. Desta forma, a equipe rubro-negra precisará de jogadores com dribles que possam quebrar a barreira defensiva à frente da área do bom goleiro Sebá Vieira. Já em Barranquilla, atacantes velozes se farão mais necessários, já que o conjunto brasileiro optará pelo jogo do contragolpe.

O Junior encara a partida como duelo de “cachorro grande”. Pela marra histórica de “el Tiburón”, e pelo caráter de seus jogadores, vai ser desta forma que a equipe colombiana vai se comportar. Natural que esperemos do Flamengo uma atitude no mínimo parecida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muita gente leu e repercutiu o post, mas ainda não vi ninguém comentando por aqui. Parabéns ao blog pelo ótimo trabalho, superior ao de muitas mídias "convencionais". Obrigado, Joza, por mais uma vez compartilhar seu amplo conhecimento do futebol latino-americano. SRN. Wally Stutz