domingo, 24 de janeiro de 2010

Sangue por Andrade. Bastidores do Fla no BR - 2009






Saiba como o Flamengo e seus personagens sofreram para chegar ao hexa do Brasileirão


Delair Dumbrosck ocupava interinamente a presidência do Flamengo. Queria contratar Álvaro. Buscou informações sobre o zagueiro e foi aconselhado por seus diretores a desistir. O jogador acabara de rescindir com o Inter. Estava na reserva, ganhava salário de titular e era acusado pela torcida de ser baladeiro. Delair ignorou os palpites. O beque veio e arrumou a defesa rubro-negra.

O episódio ilustra bem o roteiro do time no Brasileiro: tinha tudo para dar errado, mas culminou com o hexa.

Faltava dinheiro para pagar salários, a diretoria estava rachada em ano eleitoral, os atletas viviam às turras e o técnico Cuca era minado pelos jogadores (caiu depois da 13ª rodada).

O Flamengo começou a escrever certo por linhas tortas ao ressuscitar Pet, que dividiu ainda mais a diretoria e provocou a ira de Cuca. Mas permitiu que os salários fossem pagos em dia, pois parou de penhorar receitas (as luvas continuaram atrasadas). No fim, o sérvio deu a volta olímpica como herói.

Antes disso, uma lavagem de roupa suja na Granja Comary, dias após a derrota por 5 x 0 para o Coritiba, tinha apagado incêndios. "Ali fechamos o grupo", relembra o goleiro Bruno. No jogo seguinte àquela reunião de três horas, vitória de 4 x 0 sobre o Inter. Mas novas turbulências viriam.

Para superar a irregularidade, a diretoria inovou na forma de premiação: só dava o bicho se o time conquistasse quatro pontos em dois jogos seguidos. Histórias que explicam a surpresa provocada pelo Flamengo no Nacional não faltam. São passagens como a de Adriano, que gerou ciúme, mas no final deu literalmente sangue por Andrade. A seguir, saiba mais sobre os dramas e os personagens do hexa.





Andrade

"O Adriano voltou machucado da seleção, chegou cheio de pontos. Ele olhou para mim e disse: 'Só vou jogar desse jeito porque é você. Para outro, não jogaria'. Os pontos chegaram a estourar, ele terminou o jogo com a meia cheia de sangue". A história, que se passou na vitória por 2 x 0 sobre o Palmeiras, é contada por Andrade como uma prova de que o time deu o sangue por ele.

Desacreditado por nunca ter passado de um quebra-galho na Gávea, o ex-jogador só foi efetivado por causa da insistência dos jogadores e porque o clube não tinha dinheiro para contratar um treinador milionário, com auxiliares caros. Ao ser efetivado, ele teve seu salário aumentado de 40 000 reais para 50 000 e ouviu um alerta: "Eu disse que o maior desafio dele era não deixar os jogadores que estavam pedindo sua permanência mandassem no time", afirmou o ex-vice-presidente Delair Dumbrosck.

A preocupação fazia sentido. Tratava-se de um treinador inexperiente apoiado por atletas de personalidade forte, como o goleiro Bruno, que chegou a discutir rispidamente com o técnico. "Em várias reuniões, só entre os jogadores, nós dissemos: 'Vamos correr pelo Andrade'. E nós corremos", afirmou Bruno.





Zé Roberto

Ninguém melhor que o vice de futebol, Marcos Braz, para explicar o despertar de Zé Roberto no Brasileirão. O relato é dele: "Na semana anterior ao jogo com o Avaí, o Zé teve problemas numa boate. E ele vinha num momento ruim, não podia tocar na bola que era vaiado. Fui falar com ele, mas quis levar Bruno, o capitão, junto. Não queria que o grupo pensasse que era pela boate. Disse: 'Zé, vou te falar duas coisas: primeiro, que você não vai ser negociado; segundo, que o camisa 10 do meu time é você. Vou matar e morrer por você. Mas do jeito que está não dá. Você tem que achar algo que já é seu, que já mostrou antes'".

Também fez parte do resgate uma conversa do cartola com as torcidas organizadas: "Pedi a eles: 'Deixem o cara tocar na bola'". E assim, trilhando o mesmo caminho do Flamengo, o meia saiu do atoleiro e brilhou.





Adriano

O Imperador terminou o Brasileirão em clima de lua de mel com seus companheiros de time. Organizou uma animada festa para eles poucas horas depois da volta olímpica no Maracanã. Tanta alegria só foi possível porque os cartolas sufocaram ainda no princípio uma crise provocada por ciúmes.

Parte do elenco não gostou de ver a diretoria passar a mão na cabeça do atacante após suas primeiras ausências.

Os dirigentes se reuniram com os atletas e decretaram a continuidade do tratamento vip. "Expliquei que ele precisava de compreensão. E disse aos jogadores: 'Nós podemos ser a solução na vida do Adriano. Pensem na importância disso'. Eles entenderam", diz o ex-vice de futebol Kléber Leite.

Iniciou-se, então, uma operação pró-Imperador, que contou com a participação de outro astro do time, Petkovic. "A gente já sabia que ele era craque, aí foi só a gente comprar a briga dele com ele mesmo. O Adriano não prejudica ninguém, só ele mesmo. O grupo o botou para cima", afirmou o meia sérvio.

Como aconteceu com Ronaldo no Corinthians, o Imperador desembarcou na Gávea cercado de desconfiança. Parte da diretoria era contra sua chegada. Porém, pesou mais o aval de um ex-atleta do Flamengo: Gilmar Rinaldi, agente do atacante. "Ele nos deu segurança, e o Adriano foi artilheiro", afirmou o ex-presidente Márcio Braga, comemorando o desempenho do vencedor da Bola de Ouro.





Petkovic

"Fique tranquilo, o Pet voltou ao Flamengo só para treinar e jogar amistosos." O dono da frase é Kléber Leite, que iria à falência se tentasse ganhar a vida fazendo previsões. À época vice de futebol, ele fez a afirmação para Cuca, que treinava o time e ficou furioso com a contratação. "Depois, o Cuca ficou dias emburrado comigo [quando ouviu de seus chefes que tinha de aproveitar Pet]. Mas não tive culpa", disse o ex-cartola.

Para sorte da torcida, Kléber e Cuca perderam a queda de braço com o sérvio e deixaram o clube. Também por sorte, Pet não deu ouvidos a seu agente, Josias Cardoso. Ele disse que o meia perderia dinheiro aceitando reduzir a quantia que o Flamengo lhe deve e postergando o pagamento para 2010. E Andrade abraçou o craque: "A pessoa com quem mais me identifiquei foi o Pet. A gente vê o futebol da mesma forma e acredita no mesmo tipo de esquema tático. Só discordamos sobre concentração. Ele detesta! Digo: 'Pet, você não está na Sérvia. No Brasil tem que concentrar'. Ele aceita, né?"


Bruno

A decisão do goleiro Bruno de abandonar o clube foi um dos obstáculos que o Flamengo teve de superar. Ele resolveu que sua passagem pela Gávea tinha chegado ao fim após ser vaiado no Maracanã na derrota por 2 x 1 para o Cruzeiro. Deixou o campo acumulando nove gols sofridos em quatro jogos.

"A torcida pegou muito no meu pé. Tem que cobrar mesmo, mas eu joguei a toalha. Cheguei a falar que tinha acabado ali, que não jogava mais", afirma Bruno.

Uma conversa com o vice de futebol, Marcos Braz, fez com que ele repensasse a decisão. "O Marcos disse: 'Não, você está comigo'. Voltei e, no trabalho do dia a dia, recuperei a confiança. Aí, logo depois a defesa se acertou com a chegada do Álvaro e do Maldonado."

Como um dos líderes do elenco, o goleiro teve participação importante nos momentos críticos da equipe. Foi ele, por exemplo, quem cobrou salários atrasados do vice-presidente recém-empossado. "Eu tinha assumido havia uma semana, dez dias, e ele veio me perguntar: 'E o salário?' Estava atrasado, e eu respondi: 'Economiza teu dinheiro por que não tem previsão, meu irmão. A coisa está ruim'."

Bruno foi escolhido pelo vice de futebol para receber a notícia de que os salários seriam colocados em dia (as luvas, porém, continuaram atrasando). "Negociei o Sheik [Emerson] e disse ao Bruno: 'Vendi um jogador para pagar vocês. Vejam lá o que vão fazer agora!'" Certamente, Braz não imaginava que Bruno e sua turma fossem fazer tanto.

Fonte: Placar

Créditos da transcrição: Marcelo Hirie.

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