Depois de Trauco, Rômulo e Conca, o Flamengo apresenta nesta tarde o seu mais novo reforço: Orlando Berrío.
Pelo Atlético Nacional, o colombiano fez 49 jogos, com 97 finalizações, 15 gols, 15 assistências e 35 desarmes. Na Taça Libertadores, Berrío contribuiu com quatro gols, 16 assistências para finalizações e 11 finalizações certas, sempre jogando pela direita.
Mas são apenas números. Quem sabe mesmo do assunto é o nosso colaborador e amigo Joza Novalis, que concedeu uma ótima entrevista sobre a Libertadores e o Flamengo.
Agora Novalis volta com uma análise completa de Orlando Berrío. Confira:
"Orlando Berrío chega ao Flamengo como um dos melhores reforços possíveis com vistas a grandes conquistas. Muitos torcedores estão contentes, mas alguns parecem contestar a contratação. Mal sabem das tentativas da direção; da lista e dos diversos nomes que estavam nela. Alguns, tanto de brasileiros quanto de sul-americanos, sequer foram cogitados pelos especuladores de plantão.
Anunciado Berrío, alguns perguntavam por que não foi Eduardo Vargas, aquele que exceto em La U, e no começo da carreira, nunca “jogou bola” em clube qualquer, mas apenas na seleção chilena. Vitinho, Marinho, tantos outros, enfim... Alguns chegaram a comparar Berrío com Cirino. Correto em parte, no físico. E qual o problema da comparação? Ela é livre, todavia os polos que a constituem não se integram. Então, nossa descrição de Berrío vai falar de um jogo grande no qual ele foi decisivo. Deixemos Cirino em paz, com sua atitude de cavar esconderijos em campo. Falemos do reforço, do que ele pode acrescentar e da melhor forma como Zé Ricardo poderá utilizá-lo. Paciência será necessária para que conheçamos Berrio na perspectiva de sua participação no grande jogo de sua vida.
Foi no último suspiro futebolístico do jogo que tudo aconteceu: no último suspiro de Orlando Berrio que o Atlético Nacional conseguiu edificar o seu caminho para o caneco da Libertadores em 2016.
“Es um negro de mierda, tengalo claro!”
A frase era de Sebastián Sosa, o guardametas uruguaio a serviço do Rosário Central naquela que foi a decisão antecipada da Libertadores. De um lado a melhor campanha indiscutível da fase de grupos; do outro, a equipe que apresentava o melhor futebol: no palco, protagonistas diversos a ponto de se tornarem anti-heróis: junto a eles, um coadjuvante com forte potencial para salvar o futebol: Berrio. Contudo, sempre que chegava à área ouvia a frase: “no lo va a conseguir pues que es solo um negro de mierda”. Voltemos um pouco.
O Atlético Nacional não tinha Borja, mas o elenco era até melhor do que o dos dias atuais. A dupla de volantes era formada por Sebastián Pérez e Alexander Mejía, talvez o melhor camisa 5 atuando nas Américas; por certo aquele que tem o melhor passe longo. Na criação, gente do calibre de “Lobo” Guerra e Macnelly Torres; nas laterais, Bocanegra e Farid Díaz. Henríquez capitaneava o esquadrão; Marlos Moreno era o nome da vez e Copete recebia prestígio para ocupar a vaga do lesionado Víctor Ibarbo, exemplo de repatriação bem-sucedida. Contudo, nas palestras de “Chacho” Coudet, a recomendação era para que todos os cuidados recaíssem em dois jogadores, no reserva Andrés Ibargüen e principalmente em Orlando Berrío.
Essas recomendações provavelmente foram reafirmadas nos vestiários, no intervalo, pois tudo saía como desejava o técnico do Central. Sua equipe vencera na ida por 1x0. Através de pênalti contestável, saiu na frente, no Girardot, e mesmo com o empate no intervalo, a situação era a melhor possível. A equipe local precisava de dois gols. E ela teria dificuldades para fazê-los não apenas porque seus esforços foram previstos e parte de suas soluções futebolísticas bloqueadas, mas também porque esse jogo foi a história de uma traição: a do técnico Coudet às suas convicções futebolísticas.
O time mais encantador da fase de grupos praticamente cedeu todo o campo para o Verdolaga e passou a defender sua meta com 11 jogadores. O que se via na cancha do Verde era uma equipe que representava a dignidade do futebol contra outra que ao adotar o jogo do medo, excessivamente defensivista, se comportava como time pequeno. E como não era um time pequeno o futebol que praticava não era legítimo.
“Na hora do desespero, o drible longo do Marlos não funcionará; Macnelly baterá cabeça com Mejía; Guerra com Copete e Marlos; com duas linhas compactas bloquearemos a confusão ofensiva do rival. Mas é preciso tomar cuidado com o drible curto do Ibargüen e com a força física e com a polivalência do Berrío. Ele será centroavante, será ponta, será até o lateral no lugar do Bocanegra. Ele não vai desistir nunca, precisa ser anulado”. Coudet sabia do que falava. Seus assistentes receberam diversos relatórios sobre os jogadores do rival e se espantaram com as descrições feitas de Berrio. E quem era esse jogador? Para Sosa, “um negro de mierda”. Sua frase era cruel, mas ela tinha um objetivo: destruir no jogador aquilo que ele possuía de melhor: seu equilíbrio.
Orlando Enrique Berrío Meléndez sempre foi um garoto gigante de corpo, mas muito educado também. Há um verso de um poeta francês, Rimbaud, que remete à ideia de que o excesso de educação pode estar ligado à incapacidade de alguns em responder à altura frente a certas situações. Possível que este problema tenha afetado o garoto que com 18 anos incompletos foi alçado ao profissionalismo e, de cara, ao time titular. Na base, ele fora tido como uma das maiores revelações do futebol colombiano. Tudo o que fazia dava certo; sempre assumia o protagonismo e raramente não levava sua equipe ao triunfo. Era em quem todos os garotos assustados ou perdidos confiavam nos momentos mais difíceis.
Contudo, o Atlético Nacional estava longe de ser a máquina institucional de hoje em dia. Vivia este processo, mas ele era incipiente. De forma que as expectativas foram tão grandes que jogaram um enorme peso nas costas do garoto: todos podiam errar, exceto ele. Não importavam seus esforços, pois bastava à equipe atuar mal, e perder uma partida, para que o culpado fosse ele, Berrio. O garoto fugia de entrevistas, mas nunca reagia às críticas e às ofensas; preferia se calar em virtude de sua educação. Tentou resolver em campo, mas seus arranques eram bloqueados; seus dribles quebrados, seu pivô na frente da área era antecedido pelo passe curto sempre errado. As coisas não funcionavam para quem outrora fora a brilhante promessa das “canteras” colombianas. O Nacional resolveu emprestá-lo justo para o Millonarios, clube que vivia (e ainda vive) uma profunda crise de identidade. Berrio foi hostilizado desde o início pela torcida e colocado no banco pelo técnico. Quando raramente entrava em campo, o uníssimo das vaias acobertava suas tentativas de reação. Ficou pouco no Millos e foi emprestado para o Patriotas FC. História se repetiu: ouvia coisas da torcida local: xingos, ofensas e a crueldade de alguns, especialmente da tribuna de honra do estádio, de associar seu difícil momento futebolístico à cor de sua pele. Até então, suas respostas se convertiam em explosões repentinas que o levavam a grandes faltas e suspensões.
Posteriormente ao choro, arrependimento e a inúmeros pedidos de desculpas. Eis que chegou o dia em que justo num jogo contra o Millonarios o garoto encontrou a fórmula para espantar seus anos de frustração como profissional. As duas torcidas o vaiavam quando foi pegar a redonda para cobrar um lateral. Conta-se que ele parou, fixou os torcedores e percebeu que todos falavam as mesmas coisas. A força daquilo não era tão relevante assim, pois não passava da fala de um ou outro, papagaiada pela multidão. Alguma coisa aconteceu, pois passou a selecionar as críticas que levava em consideração; além disso, passou a simplificar seu jogo. No lugar de tentar fazer tudo pelo time, passou a fazer todo o possível em poucas jogadas. O garoto da base começava a se reconectar com o agora jogador profissional.
Lembrando que após sofrer o gol bem no início da partida, o técnico Rueda tira Berrio do banco, onde estava por uma moléstia física. Entra em campo com 34 minutos de bola rolando. Após intensa pressão, já nos acréscimos do primeiro tempo, Berrio, que segundos antes estava no círculo central, pega a pelota de frente para uma área congestiona, faz jogada estupenda, livra-se de três jogadores e a entrega para Macnelly Torres guardar: era o empate do Verde.
De onde vinha aquela capacidade de recomposição? De circular por vários setores do campo, se colocando em lugar de volantes, laterais, centroavante e mesmo assim nunca deixar de ser o mais eficiente extremo do futebol colombiano? Recém-chegado a Medellín, Juan Carlos Osório exigiu que seu novo clube resgatasse ao Patriotas um dos grandes destaques do campeonato. Assim que o incorporou, o ex-treinador do São Paulo tratou de situar o jogador na melhor posição possível para que seu futebol deslanchasse de vez. Osório percebeu que ele poderia ser um nove (como vinha jogando), um volante interior e mesmo um lateral-ala. Contudo se deu conta de que se Berrio fosse posicionado como extremo ele faria tudo isto muito bem e sem deixar de ser o ponta agudo que levou o Flamengo a contratá-lo.
Características do jogador
Aos poucos, Osório notou que a polivalência de Orlando Berrío era ainda maior do que supunha. Então, resolveu fazer duas coisas. A primeira delas foi contratar um psicólogo para contornar as explosões do jogador que ainda ocorriam dentro de campo. O “es um negro de mierda”, pronunciado por Sosa, era resultado do estudo e conhecimento do perfil do extremo flamenguista e da certeza de que a explosão voltaria a aparecer dentro do grande jogo. Fora a leitura do que Sosa fizera das recomendações dadas a ele e ao elenco do Rosário Central pelo técnico Coudet. Berrío foi o primeiro a passar por um profissional, mas hoje em dia o clube tem uma equipe composta por 16 psicólogos que presta o mesmo serviço a todos os jogadores do elenco. A segunda atitude de Osório consistiu em explorar todos os recursos do jogador e lapidá-los. No fim das contas, o atacante que o Rubro-Negro contrata consegue:
- atuar como volante, ocupando a faixa central do campo e a partir daí recuar ou avançar conforme a necessidade da equipe. Preferencialmente como volante interior;
- ser um típico “carrillero”, conceito bastante abrangente, mas que essencialmente abarca aquele jogador que ocupa o lado do campo, percorrendo-o de um ponto ou outro: conceito mais amplo do que os de lateral e ala, pois sintetiza a ambos;
- ser um driblador. O fato de possuir um drible longo está associado à força física de Berrío e à sua velocidade. Mas embora não seja um Ibargüen (longe disso), também consegue praticar o drible curto e desconcertante que tanto suas equipes precisaram em momentos decisivos. Parte disso vem da abertura dos braços, o que expande o corpo, projetando-o como um arco que amplia o espaço da bola sob o seu domínio, dificultando sua retomada pelos marcadores: o lance do gol de empate contra o Rosário Central é um exemplo;
- ser um marcador tanto no campo de ataque quanto no de defesa. Para aqueles que comparam o novo reforço com Cirino é bom lembrar que este até oferece combate defensivo na frente, mas é insignificante quando se trata de acompanhar o atacante rival até o campo de defesa. Nisto, Berrío é superior a Cirino e a qualquer outro atacante e meio-campista do atual elenco rubro-negro;
- ser improvisado como camisa 9. Começou assim na carreira e foi colocado como extremo por Osório perceber que centralizá-lo no meio dos zagueiros era reduzir o potencial futebolístico do atleta. Contudo, nada impede a Zé Ricardo de improvisá-lo de 9, em algumas circunstâncias;
- ser eficiente no jogo aéreo. Porém, só em parte. Se há uma deficiência a corrigir é a de se apresentar e fazer poucos gols de cabeça. Curiosamente, na parte defensiva, era um dos jogadores que mais cortava cruzamentos no Patriotas FC. No Nacional nem tanto, pois os zagueiros foram trabalhados na base para executar quase à perfeição este fundamento;
- ser polivalente e obediente às recomendações de seus treinadores. E neste sentido, o que mais se destaca é sua capacidade de atuar pelos dois lados do campo. O fato de Berrio pouco ser flagrado pelo lado esquerdo debita-se à proposta de jogo do Atlético Nacional de jogar com dois extremos e de sempre dispor de um deles para ocupar o setor esquerdo. Ocorre que para confundir a marcação, tanto com Osório quanto com Reinaldo Rueda, a equipe verdolaga invertia os seus extremos. Nem tanto por dificuldades, mas por birra, Jonathan Copete perdeu a titularidade, pois se recusava a trocar de lado. Esta teimosia não faz parte do comportamento de Berrio. Para o auxiliar técnico, Bernardo Redín, o novo reforço do Flamengo era o mais polivalente da equipe (a nosso ver, empatava com Guerra) e o melhor quanto a ouvir e a cumprir fielmente as recomendações do treinador. Ainda para o principal auxiliar de Reinaldo Rueda, o jogador sempre foi o primeiro a reconhecer seus erros em campo e a pedir desculpas aos seus companheiros, nos vestiários;
- executar a cobertura e apoio aos laterais. A nosso ver, esta é a principal deficiência do atual Flamengo. Em geral, esta função é cumprida por Marcio Araújo. Isto ocorre justo porque os atacantes de lado executam mal a recomposição. Colocar Berrío como extremo esquerdo, assim como inverter os dois ponteiros, é algo que Zé Ricardo pode explorar com a chegada do novo reforço. Vantagem, no caso, ao menos quanto a Berrio, é que a qualidade do seu futebol se mantém a mesma, quando ele atua pela esquerda;
- ser o homem do passe final. O que ocorreu no lance do gol de empate, contra o Central, e no gol decisivo de Borja, no jogo de volta contra o São Paulo, no qual Berrío teve uma atuação estupenda;
- ser peça-chave para o contragolpe. Esta é mais uma razão pela qual chega a ser uma heresia comparar Berrío com Cirino. Em situações de pressão, encontramos o colombiano quantificando a primeira linha ou como volante; ou seja, nos lugares perfeitos para o contra-ataque. Lugares em que nem sempre a torcida flagra o pouco interessado Marcelo Cirino.
Final do grande jogo
Jogo segue com pincelas de uma batalha épica no Atanásio Girardot. Aos cinco minutos da segunda etapa, após brilhante jogada coletiva, a equipe verdolaga vira o marcador. Era a primeira vez, após 140 minutos de confronto, que os colombianos se colocavam à frente do Rosário Central. Então, se estabelece de vez o aluga-se meio-campo. No entanto, para a surpresa de todos, e à medida que o tempo passa, o antijogo do Central se alimenta do desespero do Atlético Nacional e parece ladrilhar o caminho do triunfo argentino. O jogo de pressão segue seu curso, mas pouco a pouco a articulação das ideias se esvai e deixa de alimentá-lo. A equipe local já tem quatro atacantes na cancha. Aos 36’, Bocanegra cruza para a área, Berrío voa sobre a bola e acerta o cabeceio para a defesa de Sosa. Já aos 40’, ambos se chocam na área e o arqueiro fica no chão por mais de um minuto, sugerindo dores que não existiam: nada fora dito nesses momentos, mas o efeito das falas anteriores seguia no olhar de um deles e na alma do outro: “no lo va a conseguir pues que es solo um negro de mierda”. Sebastián Pérez, Macnelly e Copete já não estão em campo. Nos minutos finais, Henríquez e sobretudo Marlos Moreno se agigantam na mesma dimensão da frustração que vai danificando a magia de seu futebol. Alejandro Guerra está perdido e Alex Mejía não acha o ângulo certo para ofertar o passe consagrador.
Qual o limite para ofensas e agressões que acontecem dentro de campo? Dentro dele, uma resposta “a Grafite”, por parte do ofendido, pode ser justificada, mas em termos futebolísticos é a melhor? Quem somos nós para sabê-lo? Para Sosa, tudo o que aconteceu “são coisas do jogo, e que devem ser sepultadas dentro de campo”. Sua intenção certamente era a de quebrar o equilíbrio daquele que seu treinador apontara como um dos únicos capazes de se manter taticamente focado até o fim. De certo que quem alude à “raça” de alguém, em termos provocativos, não entende que sua fala passeia pela alma da vítima resgatando momentos semelhantes ao longo de toda a sua vida. E quem consegue manter sua altivez em tais circunstâncias, ater-se a questões táticas e fazer de conta que nada disso faz sentido em tais momentos? Fato é que aos 49’ de jogo, as lágrimas tomavam conta do Atanásio Girardot. Crianças, idosos, homens e mulheres: era o sonho se colorindo do desespero. Quase todos andavam em campo para lá e para cá sem guardar posição. Exceto um: aquele que precisava ser o centroavante. Após ensaiar soluções infrutíferas, Ibargüen consegue a jogada ideal e lança a bola para a área. Henríquez escora de cabeça e Orlando Berrío enterra a pelota no arco do seu torturador. Antes de partir para o abraço, grita o gol na cara de Sosa. Não era o grito de sua liberdade ou de sua consagração: isto tudo já estava com ele. Era o grito de sua verdade: mesmo testado aos extremos, seu equilíbrio se mantivera até o fim porque ele Orlando Berrío, era diferente.
Este é o jogador que o Flamengo acaba de contratar".
13 comentários:
Muito bom texto, fera ! SRN
Texto sensacional, parabéns!
Grande texto, cheguei a me arrepiar...toda sorte do mundo a Orlando no mais querido do mundo!
Pela seu excelente texto vejo que o Berrío é o reforço certeiro para o Fla. Esse é o verdadeiro espírito de Rondinelli. SRN
Grande escritor o Sr. Joza Novalis...
O texto é empolgante e animador!
Tornei-me fã dele é do Orlando Berrío... que me parece, após a saborosa leitura, talhado para o Flamengo!
Deus leia e abençoe a ambos...
Que texto espetacular! Parabéns Joza Novalis
Que texto foi esse? Espetacular, já tem um fã de carteirinha mano!
Muito bom o texto ! Parabéns, Joza Novalis !
Se for tudo isso mesmo éna melhor contratação do ano.
Que texto maravilhoso! Estão de parabéns. Muito sucesso e conquistas pro Berrío no Mengão!
Belo texto ! Parabéns!
Bienvenido Berrío!
Não sei o que é melhor, o prazer de ver um texto tão bem escrito ou o de saber que o personagem principal dele está no meu clube de coração!
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