sábado, 14 de fevereiro de 2015

Valor Econômico: "À espera de novos gols"

Ótima reportagem escrita pelo Chico Santos no jornal Valor Econômico sobre o futebol carioca, Campeonato Estadual e administração dos clubes.

Confira trechos:

Para o jornalista João Máximo, autor de cinco livros sobre futebol (entre eles, "Gigantes do Futebol Brasileiro", em parceria com Marcos de Castro), a decadência começou com a fusão da Guanabara e Estado do Rio. "Parecia que [a fusão] daria [ao futebol carioca] uma dimensão de estado, como São Paulo, que tinha grandes times do interior. Aconteceu o contrário." O problema, na interpretação de Máximo, é que a fusão veio acompanhada de mudança no sistema de votos na nova Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj).

O voto qualitativo, que dava maior poder aos clubes que conquistavam títulos nas diversas categorias, passou a ser unitário, e com isso os interesses dos grandes clubes foram submetidos aos de clubes menores, incluindo ligas de pouca expressão fundadas no interior. A perda de poder dos grandes clubes para decidir sobre tabelas, calendários e competições teria levado ao progressivo esvaziamento do futebol carioca.

Pela estrutura atual de votos, os clubes da primeira divisão (série A) têm peso seis, os da segunda divisão (série B) têm peso quatro, os da terceira divisão (série C) têm peso dois e as ligas amadoras têm peso um. Como existem mais de 50 ligas amadoras e mais de 20 clubes na série C, bastam os votos desses dois segmentos para anular todos os votos da série A, na hipótese de os clubes grandes e pequenos da série A votarem juntos. Ao Valor, a Ferj através da assessoria de imprensa, disse que "apenas cumpre o que está estabelecido no seu estatuto desde a década de 1970, quando houve a fusão".

Máximo lembra que, antes da criação do Campeonato Brasileiro, eram os campeonatos estaduais que atraiam grandes públicos. No Rio, a construção do Maracanã (1950), o primeiro grande estádio do país e por muito tempo o maior do mundo, democratizou o acesso aos jogos e o Campeonato Carioca passou a atrair multidões. A competição nacional esvaziou as disputas regionais, mas, diz Máximo, o problema teve uma dimensão maior no Rio. "Hoje em dia, o estadual do Rio não tem mais o menor apelo."

A perda de poder dos grandes clubes para decidir sobre a organização de jogos teria levado ao declínio progressivo do futebol carioca Máximo também comenta que a decisão da Ferj de reduzir os preços dos ingressos para o Estadual deste ano praticamente inviabilizou, por exemplo, o programa de sócio-torcedor do Flamengo (paga-se uma contribuição mensal em troca do direito de assistir aos jogos do clube). Em outros estados, como o Rio Grande do Sul, o programa sócio-torcedor é um sucesso.

Máximo entende que o enfraquecimento das agremiações como clubes sociais, ao longo dos anos, também contribuiu para o empobrecimento do futebol carioca. "A receita do sócio para ajudar o time de futebol morreu." Também a paridade entre a renda de bilheteria dos jogos e o valor do passe dos jogadores se alterou em muito, com prejuízo para os clubes. Máximo lembra que em 1950 o Bangu contratou Zizinho, do Flamengo, considerado na época o maior jogador brasileiro, por um valor que equivalia à renda de um grande jogo. Em 1970, um jogo para 140 mil pessoas já não rendia o valor do passe de um grande jogador.

Apesar de observar avanços, Máximo ainda vê os grandes clubes cariocas com administrações marcadas mais pela paixão do que pela gestão. E alinha outros problemas que são comuns ao futebol brasileiro, como o crescimento da influência dos empresários sobre os jogadores a partir da Lei Pelé (9.615 de 24/03/1998). Pensada para acabar com a chamada "Lei do Passe", que prendia o jogador ao clube indefinidamente, a nova legislação acabou abrindo espaço para que os empresários tenham a maior fatia dos direitos federativos dos atletas. Com isso, diminuiu o interesse dos clubes pelas categorias de base, nas quais se formam jogadores iniciantes, para eventual futuro aproveitamento nos times principais. "Os craque agora estão lá fora", lamenta Máximo, sem otimismo quanto ao futuro.

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O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Pedro Trengrouse, que foi consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Copa de 2014, vê oportunidades de recuperação do futebol carioca pelo fato de os clubes ainda serem, segundo ele, os de maior torcida fora do Estado de origem. "Com exceção de São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul, o Flamengo tem mais torcida do que os clubes locais em todos os estados", afirma.

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Zico tem diagnóstico claro sobre o declínio do futebol do Rio: "O futebol carioca não se renovou. Não evoluiu para oferecer melhores condições de trabalho para os profissionais". Lembra que nenhum clube do Rio possui um centro de treinamento moderno e completo, especialmente para as categorias de base, o que dificulta o desenvolvimento de novos talentos. [Ele próprio mantém um centro de treinamento, há alguns anos].

Também não há estádios em condições de receber grandes jogos, além do Maracanã, exceto o do Botafogo, que é alugado à prefeitura e está fechado desde março de 2013. Para Zico, os títulos ganhos por Flamengo e Fluminense em 2009, 2010 e 2012 foram circunstanciais e acabaram gerando diagnóstico falso: "Acharam que ganhando três vezes tinha que continuar tudo como estava".

O elevado endividamento dos clubes e os constantes atrasos dos salários são outros fatores que Zico acrescenta para compor cenário negativo do futebol carioca. "Você vai trabalhar onde recebe." Mas vê esforços no rumo de nova mentalidade, especialmente no seu Flamengo.

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