sábado, 9 de dezembro de 2017

Entrevista: Eduardo Cecconi, analista de desempenho

O blog entrou em contato com um dos maiores especialistas em análises táticas do Brasil: Eduardo Cecconi, que exercia há cinco anos a função de analista de desempenho do Grêmio e recentemente deixou o clube do sul.

Confira a nossa conversa:

Qual era a sua função no Grêmio durante sua passagem?

Entrei no clube como fundador do departamento de análise de desempenho nas categorias de base, ao lado do Lucas Sacchet, em maio de 2012. Após quase 2 anos no setor, construído do zero por nós dois, fui promovido ao CDD (Central de Dados Digitais) do futebol profissional, em janeiro de 2014, onde trabalhavam o coordenador Lucas Oliveira (hoje no Atlético-PR), o analista Roberto Ribas (hoje auxiliar do técnico Roger Machado) e o então estagiário Antônio Cruz. Em pouco tempo tanto o Lucas quanto o Roberto saíram, e eu fui promovido a coordenador do setor, com o Antônio sendo efetivado como analista assim que se formou na ESEF-UFRGS.


Como encontrou o departamento de análises no Grêmio e como deixou em sua saída?

O CDD tinha um excelente know-how, por ter sido o primeiro departamento profissional de análise de desempenho em clube brasileiro, inaugurado em 2006 pelo técnico Mano Menezes e pelo analista Rafael Vieira, que trabalham juntos no Cruzeiro. Mas, também por ser o pioneiro, estava um pouco defasado em questões tecnológicas...hardwares e softwares já obsoletos em um universo onde novidades aparecem a cada momento.

Foi então que, apoiados por dirigentes visionários como o vice Antônio Dutra, "renovamos a frota" com novos iMac's, Macbook's e iPad's, câmeras, placas de captura e softwares como o Sportscode (protocolos de scout associados a vídeos) e o tOG Sports (análises por vídeo tracking), além de parcerias com empresas como Wyscout, OPTA Perform, InStat e Kin Analytics, provedoras de informações.

Participei também de reuniões para o desenvolvimento dos softwares da empresa SAP, mas ao contrário do que se diz, eles nunca foram implantados no setor de análise de desempenho do clube. Toda vez que saía uma reportagem atribuindo algo ao "software alemão" os analistas se olhavam e diziam um ao outro: "parabéns software alemão".


Na prática, como funcionava sua equipe? Á função de cada um. Antes de cada jogo era entregue um relatório do adversário para a comissão técnica com filmagens, números, ponto fraco, forte?

São muitos os protocolos-padrão de trabalho. Costumo dizer que o setor é um imenso "a la carte", tem um grande cardápio de produtos que podem ser entregues à comissão, à diretoria e aos jogadores, mas as demandas prioritárias são estabelecidas pelo treinador. Segue-se um protocolo básico de produtos para a manutenção de um acervo coerente com o que sempre foi feito, mas aquilo que é entregue diretamente à comissão precisa se adaptar ao que o treinador pede/gosta.

Em geral os três analistas se envolviam em todos os processos, mas com direcionamentos - eu mais ligado à consolidação sobre os próximos adversários, o Antônio Cruz ao material do Grêmio e o Rafael Tavares (que chegou, se não me engano, em 2016) com a análise de mercado - criação de um banco de dados sobre jogadores observados.

Os relatórios sobre adversários logicamente contêm vídeos de análise, relatórios em pdf com descrições de comportamentos táticos e técnicos coletivos e individuais e interpretações/contextualizações de dados de scout. Apesar da correria do calendário a meta era entregá-los na antevéspera do próximo jogo.


O Corinthians encaminhava vídeos curtos para cada jogador via Whats App apps jogos para corrigir os erros. Como funcionava no Grêmio?

A atual comissão do Grêmio - Renato e seu auxiliar - são mais "orais", utilizam pouco o potencial do departamento. Gostam de conversar com os jogadores sem utilizar materiais audiovisuais fora do básico.

O vídeo de "correções" do jogo anterior era passado aos atletas na "sessão de vídeo" (junto com a análise do próximo adversário, na véspera da partida), sem recebermos nenhuma orientação. Os próprios analistas cortavam os lances, e para não se tornar algo subjetivo - já que isso deveria partir do treinador e do seu auxiliar - optamos por definir como critério único de seleção lances que resultavam em situações de gol, tanto do Grêmio quanto do adversário. Se gerou situação de gol, ia para o vídeo. Assim evitava-se uma discussão sobre os porquês de ter escolhido tal lance, ao invés de outro. Era um critério objetivo diante da carência de orientação/supervisão.

Aos jogadores passávamos pelo whatsapp os vídeos e relatórios do adversário, os nossos scouts e os dados físicos deles (distâncias percorridas, velocidades, números de piques e arranques, etc).


O Grêmio venceu os dois jogos contra o Flamengo pelo Brasileiro. Pode nos revelar qual foi o material entregue pro Renato Gaúcho sobre pontos fracos e fortes, números do Flamengo? 

Como não estou mais no Grêmio desde o final do mês passado não tenho acesso a estes documentos para relembrá-los e trazer informações precisas.


O Centro de Análise também listava reforços para a comissão técnica escolher dentro do modelo de jogo estabelecido do time ou indica tal reforço? Como era realizado? Pra quem era passado depois?

No Brasil este trabalho é uma "zona cinzenta", porque os dirigentes em geral ainda são reféns das indicações de empresários. Por mais nomes monitorados e observados pelo CDD, os que mais interessam aos dirigentes são os que vêm por indicação. Então o setor trabalhava em duas frentes...manter uma observação com ênfase nos mercados brasileiro e sul-americano, com um banco de dados de jogadores que atendiam a critérios táticos e técnicos listados por função após definirmos o que era relevante, e uma observação sob os mesmos parâmetros dos jogadores indicados por empresários e trazidos pelos dirigentes.


Falando de Flamengo. Disse que viu o primeiro tempo da final da Sul-Americana. Qual sua análise sobre o jogo que assistiu?

Gostei do que vi, o empate sofrido foi uma injustiça diante do que a equipe apresentava (não sei as circunstâncias da virada no 2º tempo). Mais uma vez o Cuellar estava controlando totalmente o meio-campo, tanto sem quanto com a bola, assim como ele havia feito na derrota para o Grêmio na Arena...outro jogo que, se for analisado friamente, vai se constatar que o Flamengo foi melhor, e o Cuellar teve papel dominante.


Se fosse analista tático do Flamengo, o que falaria para Rueda para o jogo no Maracanã?
Como não assisti a toda a partida, e também não acompanho os treinos do Flamengo, seria anti-ético ou irresponsável eu ousar indicar caminhos.


Qual sua análise sobre o trabalho de Reinaldo Rueda?

Gosto muito das ideias de jogo dele, os princípios e sub-princípios são facilmente identificados dentro do modelo de jogo - ou seja, é uma equipe com ideias claras e bem treinadas. São evidentes as sincronias de movimento ofensivas, desde a construção, com oferta de amplitude simultânea tanto na linha da bola como mais à frente. Com isso o time consegue alternar velocidades, circulando a bola horizontalmente de lado a lado e quebrando este ritmo para acelerar com passes mais verticais. Também me agrada as pequenas rotações de elenco que ele faz, mantém todos com possibilidade de jogar e vai criando alternativas diferentes adaptadas ao contexto do jogo.


Por fim, já tem propostas pra próxima temporada?

Propostas, ainda não. Três clubes de Série A entraram em contato comigo, um deles parecendo interessado em avançar nas conversas, os outros dois apenas sondando o eventual interesse, mas não recebi nada concreto. Por enquanto estou descansando após uma rotina extremamente desgastante de trabalho e viagens que havia iniciado na primeira quinzena de janeiro sem intervalo até eu pedir demissão.

Um comentário:

Gustavo Brasília disse...

Parabéns pelo excelente trabalho André.